quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A ORILLAS DEL DUERO




Mediaba el mes de julio. Era un hermoso día.
Yo, solo, por las quiebras del pedregal subía,
buscando los recodos de sombra, lentamente.
A trechos me paraba para enjugar mi frente
y dar algún respiro al pecho jadeante;
o bien, ahincando el paso, el cuerpo hacia adelante
y hacia la mano diestra vencido y apoyado
en un bastón, a guisa de pastoril cayado,
trepaba por los cerros que habitan las rapaces
aves de altura, hollando las hierbas montaraces
de fuerte olor — romero, tomillo, salvia, espliego —.
Sobre los agrios campos caía un sol de fuego.
Un buitre de anchas alas con majestuoso vuelo
cruzaba solitario el puro azul del cielo.
Yo divisaba, lejos, un monte alto y agudo,
y una redonda loma cual recamado escudo,
y cárdenos alcores sobre la parda tierra
— harapos esparcidos de un viejo arnés de guerra —,
las serrezuelas calvas por donde tuerce el Duero
para formar la corva ballesta de un arquero
en torno a Soria. — Soria es una barbacana,
hacia Aragón, que tiene la torre castellana —.
Veía el horizonte cerrado por colinas
oscuras, coronadas de robles y de encinas;
desnudos peñascales, algún humilde prado
donde el merino pace y el toro, arrodillado
donde el merino pace y el toro, arrodillado
sobre la hierba, rumia; las márgenes de río
lucir sus verdes álamos al claro sol de estío,
y, silenciosamente, lejanos pasajeros,
¡tan diminutos! — carros, jinetes y arrieros —,
cruzar el largo puente, y bajo las arcadas
de piedra ensombrecerse las aguas plateadas
del Duero.
El Duero cruza el corazón de roble
de Iberia y de Castilla.
¡Oh, tierra triste y noble,
la de los altos llanos y yermos y roquedas,
de campos sin arados, regatos ni arboledas;
decrépitas ciudades, caminos sin mesones,
y atónitos palurdos sin danzas ni canciones
que aún van, abandonando el mortecino hogar,
como tus largos ríos, Castilla, hacia la mar!
Castilla miserable, ayer dominadora,
envuelta en sus andrajos desprecia cuanto ignora.
¿Espera, duerme o sueña? ¿La sangre derramada
recuerda, cuando tuvo la fiebre de la espada?
Todo se mueve, fluye, discurre, corre o gira;
cambian la mar y el monte y el ojo que los mira.
¿Pasó? Sobre sus campos aún el fantasma yerra
de un pueblo que ponía a Dios sobre la guerra.
La madre en otro tiempo fecunda en capitanes,
madrastra es hoy apenas de humildes ganapanes.
Castilla no es aquella tan generosa un día,
cuando Myo Cid Rodrigo el de Vivar volvía,
ufano de su nueva fortuna, y su opulencia,
a regalar a Alfonso los huertos de Valencia;
o que, tras la aventura que acreditó sus bríos,
pedía la conquista de los inmensos ríos
indianos a la corte, la madre de soldados,
guerreros y adalides que han de tornar, cargados
de plata y oro, a España, en regios galeones,
para la presa cuervos, para la lid leones.
Filósofos nutridos de sopa de convento
contemplan impasibles el amplio firmamento;
y si les llega en sueños, como un rumor distante,
clamor de mercaderes de muelles de Levante,
no acudirán siquiera a preguntar ¿qué pasa?
Y ya la guerra ha abierto las puertas de su casa.
Castilla miserable, ayer dominadora,
envuelta en sus harapos desprecia cuanto ignora.
El sol va declinando. De la ciudad lejana
me llega un armonioso tañido de campana
— ya irán a su rosario las enlutadas viejas —.
De entre las peñas salen dos lindas comadrejas;
me miran y se alejan, huyendo, y aparecen
de nuevo, ¡tan curiosas!... Los campos se obscurecen.
Hacia el camino blanco está el mesón abierto
al campo ensombrecido y al pedregal desierto.



ÀS MARGENS DO DOURO



Mediava o mês de julho. Era um bonito dia.
Sozinho, eu pelas fendas do pedregal subia,
procurando os recantos de sombra, lentamente.
Vez por outra parava para enxugar-me a frente
e dar algum alento a meu peito ofegante;
ou apertando o passo, o corpo para diante
e sobre a mão direita já vencido e apoiado
em um bastão, à guisa de pastoril cajado,
trepava pelos cerros que habitam as rapaces
aves do alto, pisando as ervas montarazes
de forte olor — tomilho, lavanda, rosmaninho.
Sobre os agrestes campos brilhava o sol a pino.
Com majestoso vôo, um abutre de asas largas
cruzava solitário o puro azul da tarde.
Eu divisava, longe, um monte alto e agudo,
e uma redonda crista como adornado escudo,
e colinas violáceas sobre a apagada terra
— farrapos esparzidos de um velho arnês de guerra —,
as serrazinhas calvas onde o Douro se esgueira
para formar a curva balestra de um arqueiro
em torno a Soria. — Soria é uma barbacã,
frente a Aragão, que tem a torre castelhana.
Eu via o horizonte cercado por outeiros
obscuros, coroados de robles e azinheiros;
as penhasqueiras nuas, algum humilde prado
onde o merino pasce e o touro, ajoelhado
sobre a relva, rumina; as ribeiras do rio
luzir seus verdes álamos ao claro sol de estio,
e, silenciosamente, distantes passageiros,
tão diminutos! — carros, peões e arrieiros —
cruzar a larga ponte, e ali, sob as arcadas
de pedra, escurecer-se as águas prateadas
do Douro.
O Douro cruza o coração de roble
da Ibéria e de Castela.
Ó, terra triste e nobre,
a dos grandes planaltos, dos ermos e rochedos,
de campos sem arados, regatos e arvoredos;
decrépitas cidades, caminhos sem pousadas
e atônitos grosseiros sem danças nem baladas
que vão, abandonando o moribundo lar,
como teus longos rios, Castela, para o mar!
Castela miserável, ontem dominadora,
envolta em seus andrajos despreza quanto ignora.
Espera, dorme ou sonha? O sangue derramado
recorda, quando a febre da espada era seu fado?
Tudo se move, flui, discorre, corre ou gira;
mudam o mar e o monte, e o olho que os remira.
Passou? Sobre seus campos o fantasma ainda erra
de um povo que dispunha Deus acima da guerra.
A mãe num outro tempo fecunda em capitães
madrasta é hoje apenas de humildes ganha-pães.
Castela não é aquela tão generosa um dia
quando Mio Cid Rodrigo, el de Vivar, volvia,
ufano de sua nova fortuna e sua opulência,
a presentear a Alfonso os jardins de Valência;
ou que, após a aventura que deu fama a seus brios,
requestava a conquista dos desmedidos rios
indianos à corte, a mãe de mil soldados,
guerreiros e seus chefes, que virão, carregados
de prata e de ouro, à Espanha, em régios galeões,
para a rapina, corvos, para a luta, leões.
Filósofos nutridos de sopa de convento
contemplam impassíveis o vasto firmamento;
e se lhes chega em sonho, como um rumor distante,
clamor de mercadores de molhes do Levante,
sequer acorrerão a perguntar: o que há?
E já a guerra abriu as portas do seu lar.
Castela miserável, ontem dominadora,
envolta em seus farrapos despreza quanto ignora.
O sol vai declinando. Da cidade distante
chega-me a harmonia de um sino ressoante
— já irão a seus rosários as enlutadas velhas.
Dentre os penhascos saem duas doninhas belas;
espiam-me e se afastam, fugindo, e aparecem
de novo, tão curiosas!... Os campos se escurecem.
Junto ao caminho branco está o albergue aberto
ao campo assombreado e ao pedregal deserto.




O título do poema é recorrente na obra de Machado: surgira já no livro anterior, e reaparecerá mais adiante, neste mesmo Campos de Castilla, ligeiramente modificado (Orillas del Duero), e em Nuevas canciones (como Canciones del alto Duero). Publicado com algumas variantes em 1910, na revista La lectura, este poema levava o título que mais tarde se aplicou ao livro: Campos de Castilla.
A imagem de Soria como barbacã, que reaparece posteriormente num dos Campos de Soria, é assim explicada por Oreste Macrì: “Soria aparece ilhada, estendida junto aos Montes Ibéricos e à serra do Moncaio, que separam Aragão de Castela a Velha, que tem ‘a torre castelhana’ guardada pela barbacã soriana”. Ademais, a imagem do Douro como balestra corresponde a uma característica da poesia machadiana, “a forma dos rios que em seu transcurso topográfico adotam freqüentemente a forma de um instrumento bélico, o que, se bem reproduz a linha sinuosa do objeto, revela que na poesia de Machado sempre está presente não só o que se contempla, mas também o que se evoca, neste caso, o passado da Espanha em sua perspectiva histórica e guerreira” — característica corroborada ainda pela imagem dos “farrapos esparzidos de um velho arnês de guerra”.
Como se sabe, no Cantar de Mío Cid, Rodrigo Díaz, el de Vivar, manda cem cavalos a don Afonso VI, rei de Leão e Castela, advindos de sua conquista de Valência em junho de 1093; outra parte do saque foi enviado ao rei por ter permitido que dona Jimena (esposa do Cid) e suas filhas fossem a Valência; de qualquer forma, o dom dos jardins não existe no Cantar.
O roble e o azinheiro são árvores do gênero dos carvalhos (Quercus), muito comuns na região de Castela, e
também freqüentes na poesia de Machado.
Indianos equivale, naturalmente, a “americanos”.


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